A diferença entre um serviço de transporte e um património.
A Suíça, este país pitoresco que nos exporta chocolates, relógios e serviços financeiros, é provavelmente o único país onde há mais famílias vivendo em casa alugada do que em casa própria1. Atualmente lá a relação é 70/30, 70% das famílias vive em casa alugada e 30% vive em casa própria. Só para efeitos de comparação, Portugal é o oposto. 20% em casa alugada e 80% em casa própria.
Mas qual é a lógica de viver numa casa alugada? Acho que todos concordam que é sempre melhor decisão comprar uma casa, ao invés de alugar. Afinal a casa é um património (uma reserva de valor) que pode ser deixado de herança ou vendido com elevado valor residual (valor ao fim de vida). Na verdade o mercado imobiliário suíço é muito particular. As casas e apartamentos são muito caros quando comparados com outros países, a população é composta por muitos imigrantes e migrantes que se obrigam a alugar.
Ok, isso tudo é muito interessante mas qual a relação com o título “A diferença entre um serviço de transporte e um património”? A relação é a seguinte: Diferente de uma casa que é um património (reserva de valor) e que a maioria das famílias concorda que comprar uma casa é a melhor opção, um carro não é. Devemos considerar o carro como um serviço de transporte e não necessariamente como um património, uma ideia que precisa ser entendida para o bem do orçamento familiar e principalmente pelos jovens, que com menos de 20 anos de idade já têm empréstimos astronómicos por um produto (não um património!) que começa a perder seu valor assim que se coloca o pé dentro dele.

Figura 1 – Brasil e seus carros caros e descartáveis. Fonte: http://valordosegurodecarro.com/consumo-de-combustivel-carros-gasolina-etanol
Eu não estou aqui defendendo que as pessoas não devam ter carro, muito pelo contrário, o carro pode ser um recurso importante para qualquer família. E acho que as melhores políticas são as que taxam de forma equilibrada a posse e o uso, e a consequente poluição, e não a compra do carro. Porém um dos piores exemplos que importamos dos EUA foi a lógica de que todos devem ter um carro e que um carro é um património. Não é um património! Diferente da casa, que dura muitos anos, o caro é como uma televisão, sua vida útil é curta e seu valor residual é irrisório. Logo que se termina de pagar é preciso vendê-lo e recomeçar o processo de endividamento e escravidão voluntária novamente. No fundo nós não estamos comprando um património, mas sim um serviço de transporte muito caro.
Exceto para carros de luxo que duram muito mais e são melhor construídos, os carros fabricados atualmente, de baixa cilindrada e conforto razoável, são verdadeiramente descartáveis. Essa lógica é muito boa para os governos: gera empregos na indústria automóvel, dá rios de dinheiro2 (o seu dinheiro suado) para os bancos em forma de juros indecentes e tira a obrigatoriedade de planear o transporte público com respeito, passando o dever de se movimentar ao cidadão. Esse é um dos motivos de termos, no Brasil mais que em Portugal, péssimos, vergonhosos, desumanos e decadentes serviços de transporte público, de infraestrutura para ciclistas e pedestres. Aliado a isso tudo, a indústria automóvel e o marketing fizeram um excelente trabalho desmerecendo o transporte público e a bicicleta, transformando-os em símbolos de fracasso, pobreza e infelicidade, e enaltecendo o automóvel como um símbolo de virilidade, sucesso e felicidade. Afinal todos temos direito de nos endividar.
Mas não vamos falar só mal dos EUA. Apesar de ser o país mais “Automobile-oriented” do mundo, eles foram um dos primeiros a perceber a diferença entre ter (património) e usar (serviço de transporte) o carro. E essa diferença foi transformada em dois serviços de transporte que estão em grande ascensão, os serviços de car sharing e car pooling. Tais serviços de transporte, juntamente com os demais existentes na atualidade e alguns conceitos básicos relacionados ao transporte de passageiros, serão explicados no próximo texto.

Figura 2 – Zipcar nos EUA. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Carsharing
Para se ter uma noção dos custos do automóvel recomendo uma visita a estes dois sites, o primeiro para Portugal e o segundo para o Brasil:
- http://www.autocustos.com/;
- http://quatrorodas.abril.com.br/reportagens/servicos/custo-mensal-carro-752013.shtml.
Agora, cada um de nós pode se perguntar o que mais importa: ter 30.000 euros/reais na garagem a desvalorizar ou 30.000 euros/reais no banco a render.

Figura 3 – Bicicleta x Carro (O da esquerda queima gorduras e poupa dinheiro; o da direita queima dinheiro e poupa gorduras). Fonte: http://www.cycleharrogate.org/2012/05/why-cycle-harrogate-matters.html
Referências:
- http://www.helloswitzerland.ch/-/understanding-the-swiss-housing-market
- http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2013/10/itau-unibanco-tem-lucro-liquido-recorrente-de-r-4-bilhoes-no-3-tri.html